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Na Ladônia, seu souvenir de viagem pode ser a cidadania ladoniana

  • Por Humberto Fois-Braga
  • 30 de ago. de 2016
  • 5 min de leitura

Mochileiros é um programa exibido pelo canal a cabo, Discovery – Travel & Living. A proposta é clara: os jornalistas, imbuídos daquele espírito de viajantes intrépidos (veja bem, eles não são turistas, são mochileiros, próximos do ideário dos viajantes!), percorrem o mundo em busca de aventuras, visitando lugares incomuns e vivendo experiências diversas. No estilo jornalismo turístico (ops, de viagem), eles vão nos narrando o mundo; e nós, telespectadores (turistas – viajantes de segunda categoria), vamos vivendo as experiências alheias.


Mas, foi no programa do dia 29 de setembro de 2009, que um episódio em particular chamou-me a atenção. O roteiro dos mochileiros, naquele episódio, incluía a Suécia e a Dinamarca. A mochileira-repórter-anfitriã deste capítulo foi Megan McCormick.

Em sua visita pelo Sul da Suécia, a repórter conheceu Lars Vilks, um artista que, desde o ano de 1980, constrói uma micro-nação dentro da Reserva Natural de Kullaberg. Tudo começou quando o artista-escultor começou a questionar os limites da arte: o que é arte? Quais as fronteiras entre a “realidade” e “arte”?

Assim, Lars começou a construir a cidade de Nimis (do latim, “demais”), que é composta de grandes esculturas de restos de troncos, galhos, madeiras e paus, todos recolhidos na floresta ou nas águas do mar que banha tal cidade-arte. Posteriormente, o artista investiu na construção de outra cidade, Arx (do latim, “fortaleza”), que para fazer jus ao nome, é toda feita de pedras e concreto. Como qualquer cidade, estas duas estão em constante construção, sendo refeita e aperfeiçoada infinitamente pelo artista idealizador.

No entanto, ainda na década de 1982, Lars começou a travar uma briga com as autoridades locais, que compreenderam as esculturas como sendo residências – o que é inconcebível dentro de uma área natural protegida. Nestas disputas com o poder público, Vilks tomou uma atitude radical: em 02 de junho de 1996, proclamou a região onde suas obras estão construídas como sendo uma micro-nação, independente da Suécia. O nome deste “novo” país é Ladônia (Ladonien), composta das duas cidades (Nimis e Arx) mais o memorial em homenagem a Omphalos (uma terceira cidade-escultura que foi removida).


Obviamente, Ladônia não é reconhecida por nenhum país. Porém, isto não a impede de possuir cidadãos e uma bandeira. E, enquanto nação (ainda que ficcional), a Ladônia é um país inédito em suas ideologias:


“A língua oficial é o latim e o lema nacional a expressão suum cuique, que significa ‘‘a cada um o que é seu’’. A capital é Wotan City e o calendário apresenta feriados como o Dia do Jazz e da Música, comemorado no último domingo de julho [...]. Existem ministérios excêntricos, como o do Entretenimento, o dos Anjos da Guarda, do Caos, da Filosofia, entre outros. Impostos são cobrados na forma de comentários, sugestões, idéias e poemas”. (CORREIO BRAZILIENSE. Que lugar é esse?).


No site oficial do país, também descobrimos que qualquer um pode se tornar “ladoniano”:


“Common citizenship is free, nobility costs $ 12. If you want to become nobility you'll have to send us an e-mail and tell us what title you wish - count, lord, baron/countess, lady, baroness - greve, friherre,baron/grevinna, friherrinna, baronessa. Citizen has the obligation to choose a latin phrase/word in order to develop the language of Ladonia”.


De acordo com o programa “Mochileiros”, atualmente, o país conta com 14 mil cidadão, ainda que não residentes. Aliás, vários paquistaneses, interessados em migrar para a Europa, começaram a buscar informações e a pedir a cidadania ladoniana, crendo que a nação realmente tivesse seu valor diplomático. Tal fato levou o idealizador do país imaginário a vir à público para dizer: “‘Não há possibilidade de trabalhar ou viver na Ladônia. Nem de obter vistos” (CORREIO BRAZILIENSE. Que lugar é esse?). Ciente que a fundação da nação é um protesto / movimento que deve ser compreendida a partir da proposta inicial de discussão sobre o conceito de arte, Lars também comentou "Ninguém vive em Ladônia, todos seus cidadãos são nômades" (WIKIPEDIA. Ladonia). Ou seja, ideologicamente, a arte e a cidadania são universais, livres das Nações-Estados (pesadas, sedentárias e possessivas).


A reportagem do Correio Braziliente ainda nos informa que a Ladônia “possui apenas um quilômetro quadrado de área e nenhum morador. Conhecido pela divulgação na mídia, o local é visitado todos os anos por mais de 30 mil turistas, apesar do acesso difícil. Muitos deles acabam se tornando cidadãos. Esses são, em sua maioria, suecos, seguidos por húngaros, noruegueses, norte-americanos e paquistaneses”.


Em outras palavras, Ladônia é um país cuja população é constituída por turistas e internautas. Ser ladoniano é estar além, é ser nômade, contrariamente às nações tradicionais, cuja imposição é o sedentarismo.


No entanto, ambas utilizam o turismo como estratégia de construção da identidade nacional: tanto nas nações “reais” quanto nas “ficcionais”, o turismo serve para fortalecer o senso de pertencimento a estas “comunidades imaginárias” (ANDERSON, 1989) / “comunidades sentimentais” (WEBER, 1982) – nas nações “reais”, o turismo social doméstico busca apresentar o país aos seus cidadãos, possibilitando que a ideologia nacional seja subjetividade nas experiências turísticas dos sujeitos; já no caso das nações “ficcionais”, o mesmo ocorre, uma vez que como a reportagem mencionada, é o viajante que se auto-proclama cidadão. Porém, observamos uma diferença: enquanto nas nações reais o turismo reforça a identidade nacional (sou brasileiro, independentemente de fazer turismo pelo país); na ficcional, parece-nos, que a situação se inverte, com o turismo e a internet criando (antecedendo) a cidadania.


Obviamente, a cidadania de Ladônia é gratuita. Porém, caso o requerente queira adquirir um título de nobreza, este pode ser comprado por $ 12 dólares. Na verdade, tal fato não e nenhum novidade, se pensarmos que ela é apoiada em diversos aspectos nômades: não se mora lá, a cidadania pode ser comprada/dada para turistas e/ou internautas, o idioma é o latim (neutro, posto que extinta), o calendário pátrio é a arte. Sem falar que a forma de governo é um paradoxo: “república monárquica”.

De fato, Ladônia é uma expressão das reflexões de Jacques Attali (2003), autor francês que acredita que as nações reais estão com seus dias contatos no futuro, e o que restará serão cidadanias supra-nacionais, apoiadas no comércio, na democracia e na religião. E, neste país de Lars Vilks, as três estruturas nômades se articulam em torno do turismo, da internet e da arte, respectivamente. Como incentiva o site oficial: “What can you contribute to the country? Do you want to participate in some of our projects? Do you have any special knowledge or piece of advice to give? Contribute!” (LADONIA: PROUD, FREE AND INTERACTIVE. Application form for citizenship of Ladonia).


Turisticamente, a ideia da nação ficcional possibilita a geração de souvenires originais: ao invés de “chaveiros, copos, camisas, etc, etc, etc” que remetem ao destino, Ladônia apresenta (ou poderia apresentar) uma gama de outras lembranças – certidão de nascimento, carteira de identidade, árvore genealógica, títulos de proprietário de residência, título de nobreza, diploma de profissão... Só nos falta saber se podemos “fazer” a cidadania para um terceiro, entregá-la como lembrança de viagem a amigos e parentes, assim como lhes presenteamos com canetas, ímãs de geladeira...


Neste sentido, Ladônia é um movimento artístico e oferece ao mundo uma cidadania a ser exercida enquanto turista e/ou internauta.


(Repost: artigo inicialmente publicado no extinto blog "Sobre Raízes e Asas", em 16 de janeiro de 2010).

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