A partida sempre chega
- Humberto Fois-Braga
- 1 de out. de 2016
- 2 min de leitura
Água mole em pedra dura, tanto bate até que a esfarela e a arrasta. Foi assim com Celestina, ao ser levada pelas águas da enchente que invadira e derrubara sua casa. Nunca quis viajar, pois quem tomaria conta da casa e de suas criações caso o rio enchesse e invadisse seus domínios? Mas foi em uma noite de tempestade, enquanto dormia, que aquela água barrenta, vinda de longe, começou a chegar, borbulhando dos bueiros da rua em frente e se revirando em redemoinhos pelo córrego que passava pelo quintal dos fundos. Sorrateiramente, pelos vãos das portas, janelas e portões, a água foi tudo invadindo, com aquele silêncio e serpentear de uma cobra que se prepara para dar o bote...pouco a pouco, roupas, xícaras, cadeiras, documentos, livros e tudo mais começou a boiar. E enquanto o dilúvio ocorria, em seu mundo ela dormia, até que seu colchão, como uma balsa improvisada, começou a flutuar, enquanto ela sonhava com tapetes voadores em viagens por lugares nunca antes visitados. E foi através da janela que ela decolou, entrando no fluxo da correnteza e do leito do rio, ao mesmo tempo em que julgava que seu tapete trepidava e umedecia porque passava por uma nuvem mais carregada de chuva. Comandando um cortejo de escombros arrastados por uma água que parecia ventania, ela voava juntamente com alguns patos e marrecos que nadavam entre telhas, cortinas, madeiras e papéis de sua casa desmoronada. E foi numa curva, enquanto ela puxava o cobertor e virava de lado, que seu colchão aterrissou no fundo do rio. Ansiosa por chegar a algum desses lugares que tanto via na televisão, Celestina decidiu aceitar o desconforto de respirar aquele ar rarefeito típico das alturas por onde voava, tendo certeza de que logo seu tapete pousaria e se tornaria uma toalha estendida em uma praia, onde ela deitaria enfiando os pés na areia, enquanto sentiria o calor do sol e ouviria o som do oceano a convidando para mergulhos e banhos de mar.
Em, 09 de junho de 2016
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