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Portais para mundos-outros e viagens fantásticas

  • Humberto Fois-Braga
  • 30 de set. de 2016
  • 4 min de leitura

Sou um adepto das histórias de fantasia, e acho interessante pensar nas estruturas de viagem que gerem estes “mundos paralelos” criados pela mente de autores, diretores e outros artistas.


E neste tipo de literatura, a jornada do herói é norteada por dois tipos principais de enredo: aquele das histórias fantásticas que se passam totalmente em um mundo mágico, e outros em que há um portal de comunicação entre o nosso e este outro universo fantástico, o que gera duas referencialidades (uma apontando para o nosso real cotidiano e outra direcionada para o mundo imaginário). No primeiro caso, não havendo comunicação com o nosso mundo, a narrativa se desenvolve totalmente alheia ao nosso universo, e toma uma dinâmica repleta de seres extraordinários (vide O Senhor dos Anéis). Já no segundo caso, existe uma simbiose entre o “nosso” mundo e o “outro” mundo, aquele dos seres maravilhosos (por exemplo, Alice no país das maravilhas).


Nesta segunda situação, pode ocorrer dos seres humanos se tornaram viajantes que “entram” em um mundo-outro ou, contrariamente, nós nos tornamos anfitriões destes seres fantásticos que passam a frequentar nosso cotidiano. O portal que faz a ligação entre estas duas referencialidades pode tanto levar para “lá” alguns dos nossos quanto trazer para “cá” alguns dos deles (Alice, por exemplo, só caiu no poço e entrou no outro mundo porque viu o coelho passando apressado e resolveu segui-lo).


O portal é o limiar entre estes dois mundos, podendo ser representado por diversos suportes físicos ou ações que servem como rituais de passagem entre o aqui e o lá-fantástico. Por exemplo:


  • Para ir à Nárnia, é só entrar num guarda roupa e percorrê-lo até o fundo...

  • Em Harry Potter, a entrada para Hogway é uma parede que leva da estação do “nosso mundo” para a “plataforma 9 ¾”.

  • O mergulho na leitura também transporta o leitor para outras dimensões, como ocorre em “A História sem Fim”. Já outras pessoas possuem o dom de ler em voz alta e assim transportar, fisicamente, os ouvintes para o mundo das palavras, como acontece no livro “Coração de Tinta”.

  • Outras vezes, o pronunciamento de palavras mágicas e encantadas também servem para levar a outros mundos, como o tradicional “Abre-te Sésamo” ou o mais elaborado "Ennin Durin aran Moria. Pedo mellon a minno" ("As Portas de Durin, Rei de Moria. Fale, amigo, e entre"), que abriria o portão oeste de Moria, no “O Senhor dos Anéis”.

  • O vulcão e outras fendas geográficas são portais naturais para universos profundos e distantes, como em “Viagem ao Centro da Terra”.

  • No fundo do poço, pode ser que encontremos o País das Maravilhas, como ocorreu com Alice ao seguir o coelho.

  • A montanha russa pode levar à uma viagem sem volta, como aconteceu com os personagens Hank, Eric, Sheila, Bob, Diana e Presto em ’“A Caverna do Dragão”.

  • A travessia de um túnel e de um rio leva Chihiro para uma viagem estranha a um parque de diversões desativado.

  • Vários objetos banais, quando agrupados em uma determinada ordem, são capazes de se transformarem em poderosíssimas geringonças temporais, máquinas do tempo como a DeLoreon, o carro na trilogia “De volta para o futuro”.

  • Usar varinha, tomar porções ou servir-se de pós mágicos também são ações que possuem efeitos de transporte, como o pó do pirlimpimpim da Emília, no “Sítio do Pica Pau Amarelo”.

  • Às vezes pode acontecer de se perder no caminho e, assim, acabar chegando em um mundo mágico, como aconteceu com “O Expresso Polar” que saiu de sua rota.

  • Tufões e vendavais podem arrastar as pessoas para um novo universo, como bem sabe Dorothy e Totó, em “O Mágico de Oz”.

  • Ser abduzido é uma situação extrema, mas é capaz de levar humanos para civilizações extraterrestres, como foi o caso de Arthur Dent em “O Guia do Mochileiro da Galáxia”.

  • Pegar carona num cometa funciona para extraterrestres que desejam vir à Terra, como sabiamente fazia “O Pequeno Príncipe” (e, neste caso, o mundo fantástico que ele visita é o nosso, havendo uma alteração na referência sobre onde está o mundo cotidiano e onde fica o fantástico).

  • Já no filme UP, são os balões pendurados que transformam a casa do personagem em um meio de transporte para alcançar o destino. Mas, algumas vezes, tapetes ou vassouras voadoras também levam para longe...

  • Etc etc etc.


Subindo ou descendo, entrando ou saindo, materializando-se ou evaporando-se, estas ações constituem portais tempo-espacialmente achatados, ou seja, são entre-lugares para dois mundos: o banal e corriqueiro de um lado, o fantástico, mágico e às vezes assustador do outro lado. Por estes portais, o tempo entediando do deslocamento é ressignificado, seja suprimindo-o a zero (Nárnia está a um abrir e fechar de porta do nosso mundo) seja transformando-o em uma travessia mágica (Alice, quando desaba no poço, passa por diversos objetos enquanto cai lentamente).


Penso, agora, como a ficção inglesa está repleta de mundos fantásticas e portais para outros mundos. Talvez, por ser uma ilha, os autores buscam construir formas de se escapar deste isolamento...E, se no mundo real, para sair da Grã-Bretanha deve-se usar aviões, barcos ou trem para atravessar o mar, no mundo da ficção, guarda-roupas, paredes, fendas temporais, abduções e outras formas criativas servem para transportar os ingleses para além do tempo-espaço de sua ilha.


E, obviamente, Londres é uma cidade privilegiada, tornando-se a capital mundial dos portais para outros-mundos (sejam estes assustadores ou não). São vários os romances que constroem aventuras em que a capital londrina é perpassada por portais misteriosos. Podíamos, aliás, terminar este post com um desafio: que tal perceber como a outra Londres, presa em uma fenda temporal no “O Orfanato da Srta. Peregrine Para Crianças Peculiares” não é a mesma “Londres de baixo” do submundo apresentado na obra “Lugar Nenhum” e nem a da Plataforma 9 ¾ de “Harry Potter”? Este é um bom desafio de leitura...

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